Dor crônica provoca mudanças cerebrais

por Aparecida Carvalho Clinic

jul 9, 2017

Dentista

Professor norte-americano revela que pacientes com males como fibromialgia e artrite chegam a perder massa cinzenta, devido á duração do sofrimento.

Saúde 19. Correio Braziliense. Brasília, domingo 24 de abril de 2011.
Autora: Paloma Oliveto

Para um terço da população mundial, viver dói! Essa e a quantidade estimada de indivíduos que sofrem de desconfortos intensos, constantes e incuráveis em diversas partes do corpo, como fibromialgia, artrites e neuropatias. Embora seja possível controlar a dor crônica por meio de medicamentos e outras terapias, não existe cura para o mal pelo simples fato de que nem mesmo médicos conseguem explicar a origem do problema. Cada vez mais, porém, os cientistas se aproximam dos mecanismos cerebrais escondidos por trás da dor crônica, o que, potencialmente, poderá colocar fim ao sofrimento diário de 2,6 bilhões de pessoas – o número é superlativo, mas correto.

Em visita ao Brasil para participar de um encontro com médicos, o pesquisador norte-americano Vania Apkarian apresentou os resultados de seus trabalhos mais recentes. Apkarian é professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Feinberg, em Chicago, e há duas décadas estuda o assunto. Seus últimos estudos mostram que pessoas com dores crônicas não apenas reagem diferentemente a estímulos externos, mas seus cérebros sofrem uma reorganização anatômica. “Apesar de muito se saber sobre as áreas do cérebro que decodificam as propriedades sensoriais desencadeadas por um estímulo doloroso, o circuito complexo que envolve a tradução da dor em um comportamento continua obscuro e pouco explorado”, alega.

Entre as modificações anatômicas, a equipe de Apkarian descobriu que a perda de densidade do cérebro esta relacionada com a duração da dor – 1,3 cm³ de massa cinzenta, a parte do cérebro que processa a informação e a memória, é perdido a cada ano pelos pacientes que sofrem do mal. A equipe de pesquisadores usou imagens obtidas por ressonância magnética funcional para comparar os cérebros de 26 participantes que tinham dor lombar crônica aos de indivíduos saudáveis. Todos os voluntários do primeiro grupo sofriam de dores incessantes há mais de um ano, principalmente na região lombossacral, incluindo nádegas e coxas. Segundo Apkarian, é possível que a diminuição da massa cinzenta seja provocada pela retração do tecido cerebral, sem perda significativa de neurônios. A atrofia também pode ser atribuída a processos irreversíveis, como a neurodegeneração. Outra pesquisa da equipe constatou que os neurônios da medula espinhal sofrem apoptose – morte celular – em ratos com dor neuropática, o que explicaria a diminuição do tamanho do cérebro.

O pesquisador Ariel Darvasi, da Universidade Hebraica de Jerusalém, em Israel, trabalha com a linha da genética para entender como a dor crônica é desencadeada. Um estudo realizado por sua equipe e publicado na revista especializada Genome Research indica que os genes podem estar por trás do problema. Usando modelos animais, Darvasi identificou uma região de cromossomo 15 que contém variantes genéticas associadas à dor. Como a área é formada por 155 diferentes genes, foi preciso mapeá-la completamente para encontrar qual a mutação envolvida no processo. “A partir de análise dos dados genéticos, conseguimos achar um único gene, o Cacgn2, que nos pareceu o candidato mais provável”, disse ao Correio. Esse gene é conhecido por seu envolvimento com a epilepsia, mas, até então, nunca havia sido descrita sua ligação com a dor crônica. No entanto, ainda não se sabe se a versão humana do gene também tem conexão como problema. Analisando um grupo de pacientes com câncer de mama que se submeteu à remoção total ou parcial do seio, os pesquisadores descobriram que alterações profundas no Cacgn2 estavam associadas à dor crônica após a cirurgia. “Apesar de essa associação precisar de mais análises, o resultado é encorajador. O significado imediato de nossas descobertas é que a diferença na percepção da dor pode ter uma predisposição genética”, diz Darvasi. “Isso pode fornecer dados para o tratamento da dor crônica por meio de novos mecanismos”, acredita.

MOLÉCULA

Além da anatomia cerebral e dos componentes genéticos, a fisiologia da molécula também pode estar envolvida com os processos de dor persistente. Pesquisadores da Universidade de Michigan encontraram uma ligação entre a dor e uma molécula especifica do cérebro, uma descoberta que, de acordo com eles, poderá lançar uma nova luz sobre a fibromialgia, condição que afeta até 5% da população mundial. Em pacientes que sofrem do mal, os cientistas descobriram que a dor diminuía quando os níveis de uma molécula chamada glutamato caíam. Os resultados do estudo que foi publicado na revista Arthrits and Rheumatism, podem ser úteis para a busca de novas terapias.

O glutamato é um neurotransmissor, o que significa que passa informações para os neurônios através do sistema nervoso. Estudos anteriores haviam demonstrado que, em pacientes com fibromialgia, há um acúmulo da substância na região cerebral da ínsula, responsável pelo controle da emoção, entre outras funções. Por meio de exames de ressonância magnética funcional, os pesquisadores haviam constatado que os neurônios dos pacientes são mais ativos nessa área. A equipe de Harris suspeitou que a atividade maior entre neurônios pudesse estar relacionada ao nível de glutamato na região.

Para avaliar a relação entre dor e glutamato, os pesquisadores usaram técnicas não invasiva que gera imagens cerebrais, chamada espectroscopia de prótons por ressonância magnética. O exame foi realizado antes e depois de os pacientes serem submetidos a quatro semanas de acupuntura, procedimento que visa diminuir a dor. Ao final desse período, os voluntários disseram que os sintomas se reduziram significativamente. “O mais importante é que a diminuição da dor ocorreu ao mesmo tempo em que constatamos reduções nos níveis de glutamato na ínsula”, contou Harris ao Correio. “Caso os resultados forem confirmados em estudos que envolvam um grande número de pacientes, o glutamato poderá ser um marcador biológico da fibromialgia”, acredita.

MISTÉRIO E PRECONCEITO

Há duas décadas, o cientista americano Vânia Apkarian estuda a dor crônica tanto em modelos animais quanto por meio de análises de ressonâncias magnéticas realizadas em humanos. O objetivo do pesquisador, que já publicou artigos nas principais revistas especializadas do mundo, é compreender o mecanismo da dor no cérebro para chegar a terapias específicas ou mesmo à cura dessa condição. Em entrevista ao Correio, ele diz animado com as recentes descobertas e critica os profissionais da área médica que vinculam a dor crônica a problemas comportamentais. “Profissionais da área tendem a culpar o paciente por condições que eles não entendem ou para as quais não possuem terapias apropriadas”, diz defendendo que a dor crônica deve ser encarada como uma doença real. (PO)

Quais os principais resultados obtidos por suas pesquisas até agora?

Nós observamos que a atividade cerebral relacionada à dor crônica é diferente da que ocorre nos casos de dor aguda, e que distintas condições de dor crônica parecem acionar padrões de atividade cerebral únicas. Acima de tudo, a atividade do cérebro em pacientes com dor crônica afeta, aparentemente, regiões mais envolvidas com o processo emocional que o sensorial. Também observamos que a anatomia do cérebro muda na dor crônica, geralmente com uma atrofia regional. Essa atrofia é diferente para cada tipo de dor crônica. Além disso, as relações entre a anatomia de diversas partes do cérebro também mudam nessa condição. Em resumo, concluímos que viver com dor crônica reorganiza o cérebro humano em padrões específicos para cada diferente condição. O exato mecanismo dessa reorganização ainda não foi determinado.

Por que o senhor se tornou interessado pelo tema da dor crônica?

A dor continua sendo uma das modalidades sensorais menos entendidas e mais misteriosas. As pesquisas têm importantes implicações clínicas, por que entender melhor a dor pode trazer enormes benefícios á humanidade. Além disso, é isso um caminho para estudar as propriedades do cérebro humano.

Alguns médicos sugerem que a dor crônica é um problema emocional. Qual sua opinião a respeito?

Historicamente, profissionais da área médica tendem a culpar o paciente por condições que eles não entendem ou para quais não possuem terapias apropriadas. A dor crônica certamente continua dentro dessa categoria. Mesmo que nossos estudos não consigam alcançar nada mais do que um único marcador cerebral relativo a condições crônicas, já indicam que a dor deve ser considerada uma doença específica.

Os estudos que o senhor tem conduzido podem levar ao desenvolvimento de uma nova abordagem terapêutica?

Sim, e, de fato já publicamos alguns estudos realizados com ratos para novas drogas em potencial para dor crônica, que foram desenvolvidas especificamente baseadas nas nossas descobertas sobre a atividade cerebral no problema. Agora, estamos iniciando um estudo clínico com humanos apara verificar se essa abordagem será de ajuda no campo clínico.

O senhor acredita que a ciência esta próxima de descobrir os mecanismos por trás da dor crônica?

Estamos começando a aprender os mecanismos cerebrais relacionados. É uma época muito animadora, à medida que descobertas surpreendentes têm vindo à tona tão rápido, mas ainda há muito mais trabalho a fazer. Tenho confiança, porém, que estamos no caminho certo para estabelecer um paradigma cientifico que, finalmente, revele a dor crônica.

Atualmente, qual o status do tratamento para o mal?

Por enquanto, a dor pode ser apenas controlada e estamos longe de entendê-la completamente, mas acredito que, quando esse assunto amadurecer no meio científico, seremos capazes de desenvolver uma série de novas e específicas terapias para cada condição de dor crônica e também prevenir sua ocorrência. Acredito que poderemos até mesmo curá-la. Mas até agora continuamos apenas controlando a dor, usando procedimentos específicos e arbitrários para fornecer o mínimo de benefício para o paciente.

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