Entrevista L’Orthodontie Francaise n° 77- 3° trimestre 2012
Alain Berry (Presidente da 85a Reunião Científica da Sociedade Francesa de Ortopedia Dento-Facial – SFODF)
Alain Berry – O que você chama de tratamento precoce?
Emmanuelle Jaunet – É um tratamento na dentição decídua (de leite) antes da erupção dos 1os molares permanentes que corrige as anomalias estruturais, quer dizer, as anomalias oclusais e basais, exceto aquelas ligadas às parafunções (sucção do polegar, mamadeira, chupeta ou outras) que temos o cuidado de remover previamente.
Marie-Josèphe Deshayes – Eu concordo com ela, é antes de tudo um tratamento na dentição decídua (de leite); mas é preciso saber fazer um diagnóstico diferencial entre as anomalias disfuncionais (oro-linguais, ventilatórias, etc…) e as anomalias esqueléticas, quer dizer, responsáveis pelo desequilíbrio facial (em uma avaliação tridimensional) e de uma função mastigatória que não pode mais ser harmoniosa. Se as disfunções merecem ser tratadas com aparelho ou reeducação, mais cedo ou mais tarde segundo as percepções cognitivas da criança, a correção das outras anomalias esqueléticas deve ser realizada na dentição decídua a fim de corrigir as desarmonias base-cranianas.
Com efeito, certas anomalias são provenientes da base do crânio e sabemos que esta base vai terminar de edificar suas características arquiteturais com a erupção dos primeiros molares permanentes M1 (May R. Sheffer DB 1999 Growth changes in measurements of upper facial positionning. Am J Phys Antropol 108: 269-280). Se nós temos, portanto, como objetivo interferir sobre a base do crânio, é preciso atuar antes da erupção do M1.
A. B. – O dentista deve ter uma formação específica para realizar este tratamento?
E. J. – Sim. O diagnóstico clínico na dentição decídua, o estudo cefalométrico e o tratamento precoce não são atualmente ensinados na formação inicial dos especialistas qualificados em Ortodontia Dento Facial. Um tratamento precoce deve responder aos objetivos perfeitamente definidos. Um profissional qualificado para realizar este tratamento deverá saber: identificar, associar a anomalia oclusal à face e à base do crânio, analisar o tipo de crescimento da base do crânio e relacionar a este período e realizar a terapêutica de precisão nestas pequenas bocas. É preciso, portanto, ter necessariamente um ensinamento específico.
M-J. D. – É por isso que eu me apoio na base do ensino do tratamento precoce há 12 anos oferecendo uma formação teórica para os dentistas já ortodontistas (eles frequentemente fazem este curso durante 2 anos no mínimo). Estes cursos obtiveram uma acreditação pela organização de treinamento contínuo CNFCO.
A. B. – O tratamento precoce necessita sempre de aparelho?
E. J. – Sempre. Uma vez resolvidos os problemas relacionados à parafunção, o tratamento precoce corrige as anomalias já existentes na dentição decídua. O mais frequente, é um único tratamento personalizado com a ajuda de um aparelho feito sobre medida, à partir das moldagens, nos permite corrigir precisamente a forma das arcadas e a relação entre elas.
M-J. D. – Eu acredito que deve-se diferenciar os aparelhos que tratam as disfunções oro-linguais, daqueles que nós utilizamos para corrigir a forma de uma arcada daqueles que agem na remodelagem óssea. Estes aparelhos são muito específicos para cada criança, feitos sob medida, utilizam parafusos setoriais com ação fundamentada, podem conter pistas de desoclusão, que permitem direcionar as forças oclusais no momento da mastigação, ou seja, interferem no equilíbrio vertical do plano oclusal. Este é, sobretudo, o tratamento das assimetrias faciais que é muito específico: nós temos por objetivo simetrizar as bases ósseas, simetrizar a função mastigatória o mais cedo possível e por isso mesmo, induzir uma nova remodelagem nas cavidades glenoideas a fim de simetrizar as ATM.
A. B. – E qual é a duração média de um tratamento precoce?
E. J. – Um tratamento precoce é feito por etapas de cerca de 9 meses. A primeira etapa será sempre direcionada à assimetria oclusal e 9 meses irá ser suficiente na grande maioria dos casos.
M-J. D. – Concordo inteiramente com Emmanuelle.
E. J. – Em função da dismorfose sagital associada e do grau de dificuldade, uma ou várias etapas serão necessárias. O diagnóstico clínico e cefalométrico permitem prever estas diferentes etapas desde o início. Na nomenclatura atual, é algumas vezes difícil calibrar o corte do tratamento em semestres.
M-J. D. – Este é o nosso grande problema: nós realizamos o verdadeiro tratamento ortopédico que deveria ter sua própria tabela.
A. B. – Este tipo de tratamento pode ser suficiente sozinho?
E. J. – Sim, em muitos casos, quando os objetivos são conseguidos, em particular a correção da assimetria. A etapa na dentição permanente não é mais necessária.
M-J. D. – É necessário saber bem que uma assimetria facial (e oclusal) deve idealmente ser corrigida antes da erupção dos M1, para não ficar exposto a freios oclusais que atrasam e tornam impossível a simetrização total da função mastigatória.
A. B. – Porque as crianças vão geralmente ao ortodontista por volta dos 9-10 anos?
E. J. – Por causa das ideias recebidas e infelizmente muito antigas dos dentistas clínicos gerais e odontopediatras. Estes dentistas não sabem ver os sinais clínicos de assimetria na dentição decídua e não sabem antecipar a evolução da boca de seus pequenos pacientes. É preciso que eles aprendam.
M-J. D. – Eu completaria também que um grande número de ortodontistas não veem as pequenas assimetrias porque não lhes é ensinado para onde olhar … é muito chato, porque a formação inicial dos ortodontistas deveria ensinar essa triagem e não é!
A. B. – Porque alguns ortodontistas só aceitam pacientes quando eles estão na dentição permanente?
E. J. – Eles controlam bem suas técnicas de ortodontia fixa e contenção e estas são mais confortáveis em crianças maiores.
M-J. D. – Se me permitem, eu diria que eles se confrontam com uma criança pequena e que não é fácil de manusear. É certo que o tratamento de crianças pequenas na dentição decídua requer treinamento especial. Alguns profissionais não têm a atitude psicológica para abordagem ideal de uma criança de 3 anos de idade. Digamos também que todas as crianças matriculadas na creche poderão não ter capacidades relacionais ou cognitivos que lhes permitam usar aparelho móvel. Pessoalmente com a minha experiência nos pacientes de tratamento precoce por mais de 12 anos, faço a observação de que precisamos reestruturar o nosso consultório, rever o nosso tempo, e não “misturar” o pequeno paciente e os grandes etc … dedicar muito mais tempo para cada atendimento.
A. B. – Começar cedo um tratamento não é um risco para o tratamento ortodôntico?
E. J. – Não, um tratamento precoce bem conduzido e bem esclarecido aos pais termina mais cedo. Além disso, ele é vivido pelos pais como um tratamento mais barato e com um resultado mais rápido que um tratamento ortodôntico iniciado muito tarde, na adolescência, e que por isso mesmo será mais longo, mais restritivo e mais doloroso para a criança. Digo isso com base nos resultados obtidos mais rapidamente, o tratamento precoce vai favorecer a evolução harmoniosa, espontânea dos incisivos permanentes dos 6 – 7 anos, dos caninos e pré-molares durante toda a fase de mudança da dentição, estes são ganhos após bastante tempo do término do tratamento. E então muito cedo, a criança apresenta um alinhamento dentário harmonioso e não passa a sua infância com os dentes tortos.
M-J. D. – Eu só posso confirmar o que diz Emmanuelle.
A. B. – Alguns profissionais iniciam o tratamento precoce e encaminham em seguida as crianças para que os ortodontistas coloquem aparelho fixo. Esta abordagem é concebível?
E. J. – Por que não, mas como já disse anteriormente, em muitos casos, não é necessária a utilização de aparelhos fixos. É preciso ter em mente que esta etapa de tratamento precoce na dentição decídua é essencial para o futuro da boca na criança. Minha experiência de 6 – 7 anos me permite afirmar que o tratamento antes da erupção do 1o molares permanentes permite obter resultados rápidos e estáveis, o que não aconteceria se tivesse começado mais tarde. Assim, nesta fase, deve dedicar todo o nosso know-how e como especialista em ortopedia-dento-facial, é, na minha opinião, a parte mais interessante do tratamento.
M-J. D. – Sim, mas com a condição que a parte ortopédica desses tratamentos seja bem feita e bem conduzida, quer dizer, bem acabado na dentição decídua ou mista. Infelizmente vejo frequentemente aparelhos (com ação mediana) utilizados com a intenção de apenas “expansão”, isso é um absurdo e é certo que haverá recidiva… É preciso saber como tratar com aparelhos altamente estruturados, temos que ter uma estratégia real: o que eu quero corrigir, como fazer uma verdadeira prescrição ao protético, qual a periodicidade das ativações do aparelho, envolver os pais para identificar uma desestabilização do aparelho, etc…
A. B. – Para a Bélgica o Tratamento de “primeira intenção”- (TPI) em oposição ao Tratamento ortodôntico “clássico”. O tratamento de primeira intenção, incluído na nomenclatura com o número de 305933 e 305955, tem como objetivo cobrir uma intervenção ortodôntica PRECOCE e RÁPIDA para:
1) Corrigir as mordidas cruzadas frontais e/ou laterais e remover travas na parte frontal e/ou lateral da oclusão, causando frequentemente um desenvolvimento desequilibrado ou insuficiente do tecido ósseo alvéolo-dentário;
2) Corrigir a posição dos incisivos inclinados anteriormente para prevenir traumatismos anteriores;
3) Corrigir falta de espaço durante a fase de trocas dentárias. Este tratamento, idealizado para ser realizado rápido e muito limitado nos seus objetivos, pode algumas vezes iniciar em torno dos 6 – 7 anos de idade ou mesmo mais cedo, ou mais tarde.
Vocês acham que esta abordagem é simplista?
E. J. – Muito reduzida e também mal definida quanto a seus objetivos e o período de intervenção. A ideia de um tratamento de primeira intenção é muito boa, mas deve ser centrada sobre a correção das assimetrias que complicam quase todas as dismorfoses sejam elas CL I, CL II, ou CL III, e esta correção deve ser conseguida antes da erupção dos primeiros molares permanentes para que ele possa entrar nas bases ósseas simetrizadas. A correção no sentido sagital estará como segunda intenção.
M-J. D. – É desejável definir também, precisamente, os sinais clínicos das mal oclusões na dentição decídua; mas não devemos nos limitar à oclusão, é necessário ir procurar toda a semiologia associada das diferentes desarmonias (investigação no registro de saúde para doenças otorrinolaringológicas, por exemplo). Fazer uma enquete sobre a aparição das pequenas dismorfoses ou dos pequenos problemas cognitivos (produção de sons, percepção do esquema oro-lingual, etc…). Nós fazemos investigação médica e não apenas dentária. Sem ter isso em conta, limitamo-nos às ações puramente dentais, e isso é um erro. Se faz urgente uma nova nomenclatura para expressar melhor nossas necessidades e tratamentos precoces.
A. B. – Qual a diferença entre prevenção e interceptação?
E. J. – Falar de prevenção significa falar de uma intervenção, pois o objetivo é impedir a dismorfose de se instalar, este não é o objetivo dos tratamentos precoces, no caso, o objetivo é corrigir a dismorfose já instalada. Falar de interceptação é talvez mais apropriado porque o tratamento vai agir sobre a dismorfose, neste caso o diagnóstico é bem estável, antes que ela fique mais sustentável, quer dizer, antes que se instale o bloqueio oclusal que acontece após a erupção dos 1os molares (6 anos).
M-J. D. – Não se deve focalizar nesta terminologia. É preferível falar de tratamento ativo ou passivo. Eu me explico: seja ativando os aparelhos (tratamento ativo), que deve ser feito no mínimo 1 vez por mês, a troca é feita muito regularmente (a cada 6 a 8 semanas para alguns); seja o aparelho colocado, mas, sem necessidade de ativação e podem durar vários meses (neste caso o tratamento é passivo). O trabalho do profissional é totalmente diferente: no 1o caso, seu investimento financeiro e o tempo são importantes; no 2o caso, ele é mais passivo (frequente no caso dos aparelhos de reeducação funcional). Nem preciso dizer que esses dois tipos de aparelho não podem ter a mesma citação na nomenclatura.
A. B. – Como vocês reagem a Harrison JE, O’Brien KD, Worthington HV que escrevem: “As evidências sugerem que o estabelecimento de um tratamento ortopédico precoce para crianças com dentes anteriores da maxila em protrusão alveolar, não é mais eficiente do que iniciar o tratamento ortodôntico quando a criança está na fase inicial de adolescente” ?
E. J. – Estes autores falam de incisivos permanentes ou decíduos quando falam de dentes anteriores da maxila em protrusão alveolar, e se referem a tratamentos precoces realizados em dentição decídua, ou um pouco mais tarde na dentição mista?
M-J. D. – Eu não vou ser grave o suficiente… não exatamente, mas face a face a esses colegas, todos aqueles que usam a palavra “protrusão alveolar” para definir o conjunto de discrepâncias oclusais tipo de CL II. Na ausência de definição esquelética, de investigação da base do crânio, da analise do comportamento cognitivo da criança, é impossível falar da estratégia terapêutica.